Histórico do nome de família


 

   DI TIZIO  

 

Origens Lingüísticas e Históricas

 

Sob o ponto de vista lingüístico, o nome de família Di Tizio se constitui de dois elementos latinos distintos: um elemento principal, representado pelo vocábulo Tizio que será amplamente analisado abaixo, mais a preposição que o antecede di. Em outros termos, pode-se afirmar que o sobrenome é composto por um só elemento, precedido pela preposição latina de que se italianiza em di.

 

Trata-se de um típico nome familiar preposicionado. Embora pareçam independentes, estes dois elementos constitutivos do sobrenome Di Tizio formam um conjunto único e inseparável que reflete, como se verá no decorrer desta analise, o sentido original que era conferido a Tizio.

 

O primeiro elemento ou a preposição di, grafada como na maioria dos sobrenomes que com ela começam, sob a forma Di, representa a preposição latina de. Ela é indicativa de origem, proveniência, procedência.

 

Grafada de forma separada do elemento principal, determina morfologicamente a composição deste sobrenome que repete o apelativo do ancestral fundador deste tronco familiar, ligando-o, mediante esta preposição a seus filhos e demais descendentes, estabelecendo uma estreita relação recíproca de paternidade e de filiação.

 

A preposição de não necessita de maiores explicações, já que sua função é transparente. De fato, indica de modo claro origem, proveniência, procedência.

 

Cumpre salientar que é um indicativo de origem genealógica e, portanto, sublinha o aspecto da filiação. Em outras palavras, a preposição de, na sua forma italiana di, transmite o sentido de filho de, descendente de Tizio.

 

Pode indicar também uma relação de procedência, genealógica ou não, de acordo com a origem e o significado de Tizio, como se verá na seqüência.

 

Em muitos casos indica origem espacial ou geográfica; parece não ser o caso deste sobrenome.

 

A preposição original latina era de; assim era também no italiano arcaico. A forma di é representativa do italiano moderno. Este fato é indicio de que o sobrenome foi alterado no decorrer dos séculos, provavelmente no século XVI ou até posteriormente.

 

Todos os sobrenomes iniciados com esta preposição eram grafados, na origem, com a preposição de; assim, de uma forma original de Tizio se passou a De Tizio, Di Tizio.

 

O elemento principal do nome de família Di Tizio tem sua origem no antropônimo ou nome próprio latino Titius, derivado do mais freqüente Titus. Na verdade, embora Titius transpareça linguisticamente como um derivado de Titus [como ocorre com Tullius, derivado de Tullus; com Septimius derivado de Septimus; Octavius derivado de Octavus, etc.], historicamente, o nome original sabino era Titius.

 

Os romanos o adotaram como latino, transformando-o em Titus que se difundiu bem mais que sua forma original, embora Titius conservasse grande prestigio como nome típico das classes nobres e aristocráticas da sociedade romana.

 

Os sabinos se constituíam num povo pré-latino que ocupava um território bastante extenso a nordeste de Roma e que se estendia ate o Mar Adriático.

 

Da mesma estirpe dos oscos e dos umbros, em territórios contíguos situados ao norte e ao sul, os sabinos se tornaram celebres pelas guerras de resistência que mantiveram contra o expansionismo de Roma, logo apos sua fundação.

 

O rapto das sabinas, embora pareça mais lenda que fato real, ressalta a animosidade dos sabinos contra os romanos. A mesma lenda narra ainda que, Titius Tatius, rei dos sabinos teria decidido vingar o rapto das mulheres de seu povo, pegando em armas.

 

A historia narra, porém, que depois de varias batalhas, sabinos e romanos selaram uma aliança que nunca mais foi desfeita.

 

No século III antes de Cristo, os sabinos foram declarados cidadãos romanos de plenos direitos, fato que definiu seu desaparecimento como povo, integrando-se totalmente a sociedade romana.

 

O antropônimo ou nome próprio Titius é de origem obscura. Em outras palavras, suas raízes lingüísticas são desconhecidas.

 

Alguns estudiosos invocam o termo sabino teba que significa colina, elevação do solo. Através de alterações fonéticas poderia ter dado origem ao nome que exprime uma referencia clara à região topograficamente acidentada em que viviam os sabinos, isto é, nos Apeninos centrais.

 

Outros lingüistas invocam o termo sabino tifata que quer dizer azinheira, planta típica da Europa mediterrânea.

 

Estas raízes expressam eventual relação com este nome, mas não explicam de modo claro seus étimos originais com relativo significado.

 

Há ainda outros estudiosos que estabelecem uma relação com o termo latino titio, titionis, tocha, facho, cirio.

 

A maioria dos etimólogos, porém, aceitam com reservas estas explicações e preferem afirmar que Titius é um nome seguramente de origem sabina, mas de raízes e significado ignotos.

 

Infelizmente, dos povos pré-latinos não se conhece senão alguns fatos e uns poucos vocábulos que foram conservados pelos latinos. Excetuando-se os etruscos, estes povos, apesar de possuírem um alfabeto, não deixaram escritos, mas somente inscrições em lapides tumulares ou comemorativas.

 

Como não é possível reconstituir as origens etimológicas de Titius, parece importante salientar, através de alguns fatos históricos, o prestigio que gozava entre os romanos este antropônimo. Seguidamente confundido ou superposto a Titus, comprova a proximidade dos dois nomes, bem como a equivalência que os romanos estabeleciam entre ambos.

 

De fato, mesmo o nome do rei sabino Titius Tatius é mencionado reiteradas vezes sob a forma Titus Tatius, como se pode verificar no livro De Re Publica [2,36] do escritor Marcus Tullius Cicero (106-43 a.C) e na obra Ab Urbe Condita [1,13] do historiador Titus Livius (59 a.C.-17 d.C.).

 

Cumpre salientar que Roma cresceu, em suas origens, ao selar aliança com os etruscos e com os sabinos.

 

Os historiadores antigos relembram com certa insistência que Roma se expandiu com a aliança de três tribos ou três povos: os latinos com Romulus, seu primeiro líder e fundador de Roma, segundo a lenda; os etruscos que governaram Roma com vários reis, selando a aliança definitiva; e os sabinos que os romanos os chamavam também de Titii [plural de Titius] ou Titienses [derivado de Titius]. Este apelativo atribuído aos sabinos seria um simples derivado de seu principal comandante, o rei Titius; segundo outros estudiosos, Titius seria um apelativo atribuído a toda a tribo ou povo dos sabinos, termo que se teria fixado depois como nome próprio, adotado também pelos romanos, fruto da incorporação desse povo à sociedade latina e aos destinos de Roma.

 

A literatura latina é rica com relação a estes apelativos derivados de Titius.

 

O mencionado historiador Titus Livius relembra, em sua obra Ab Urbe Condita [10,6], os sabinos com o apelativo de Titienses, ao narrar a organização de Roma sob o governo de Romulus.

 

De igual modo, Marcus Terentius Varro Reatinus (116-27 a.C.), no livro De Lingua Latina [5,55] os menciona como Titienses.

 

O historiador Titus Livius, na obra citada [1,36] designa com o vocábulo Titienses os membros de uma centúria de cavaleiros, instituída por Romulus em honra de Titius Tatius. Por outro lado, uma inscrição lapidar dos séculos V-IV antes de Cristo designa como Titiales os sacerdotes que presidiam o culto dos sabinos em Roma.

 

O mencionado escritor Marcus T. Varro Reatinus, na mesma obra De Lingua Latina [5,85], chama a estes sacerdotes sabinos de Titii sodales; Marcus Annaeus Lucanus (38-? D.C.), no livro Pharsalia [1,602], designa estes sacerdotes com o termo simples Titii.

 

Que o nome Titius fosse amplamente difundido na aristocracia e nobreza romanas, é evidente pelas inúmeras menções que se faz desse nome nos mais variados escritos de autores latinos. São freqüentes também os derivados do mesmo, além da variante latina mais celebre, Titus.

 

O nome Titius pode ser conferido, por exemplo, nos livros De Legibus [2,14], Pro Lucio Murena [18], Brutus de Claris Oratoribus [225] do escritor Marcus Tullius Cicero.  O poeta Quintus Horatius Flaccus (65-08 a.C.) também menciona o nome em seu livro Odarum seu Carminum Libri [2,6], tanto para citar somente estes dois escritores.

 

Entre os derivados deste antropônimo sabino, comparecem citados com freqüência Titianus, Titidius, Titinius, Titiolus, alem dos femininos Titiana, Titinia.

 

Entre as personalidades da historia romana que corroboraram para a difusão deste antropônimo, relembra-se somente o rei sabino Titius Tatius. Ante a equivalência deste nome com Titus, cumpre rememorar o historiador Titus Livius, autor da já citada obra Ab Urbe Condita, considerado o maior e mais completo dos historiadores romanos.

 

Não se pode deixar de relembrar também o Imperador Titus Flavius Vespasianus (39-81 d.C.), natural da Sabina [território dos antigos sabinos], filho do Imperador Titus Flavius Vespasianus Sabinus (09-79 d.C.).

 

O primeiro se tornou celebre por ter comandado a destruição de Jerusalém com suas tropas; esta vitória é relembrada pelo arco que se ergue ao lado do Coliseu, mandado construir para sua entrada triunfal em Roma.

 

Durante seu governo, a erupção do Vesúvio destruiu Pompéia e outras cidades próximas, mas é recordado pelo Coliseu que ele mandou construir e principalmente por seu bom senso na condução do Império e sua generosidade para com o povo romano.

 

O cristianismo recorda e cultua Sanctus Titus [S. Tito], discípulo do Apostolo Paulo e Bispo de Creta. A ele, Paulo dirige uma carta que se constitui no 17.° do Novo Testamento da Bíblia e, na tradução latina, se intitula Epistola Beati Pauli Apostoli ad Titum. Trata-se de uma missiva escrita pelo Apostolo, na qual saúda nominalmente Titus e traça, em linhas gerais, as qualidades e atributos que devem ornar um Bispo cristão, alem de orientar como deve fomentar a pratica do bem, a conservação dos preceitos evangélicos e a atuação para atrair mais almas ao rebanho de Cristo.

 

Apos a explanação de cunho histórico-lingüístico apresentada, não se torna difícil deduzir a origem e o decorrente significado do nome de família Di Tizio.

 

Em primeiro lugar, sua origem mais remota se reporta ao nome sabino Titius, de raízes controversas.

 

Sua origem mais próxima, no entanto, se conecta com este mesmo antropônimo sabino e assumido pelos latinos, como Titius, Titus.

 

Esta origem mais recente remonta a Idade Media e a tradição de atribuir aos filhos nomes clássicos latinos.

 

Não resta duvida que este nome possui estreita relação com a terra dos sabinos. Cumpre ressaltar que o sobrenome é originário exatamente dos antigos territórios dos sabinos. Há, portanto, uma relação histórica secular e milenar com este povo.

 

Esta relação pode não estar expressa, mas está implícita no próprio nome que, posteriormente, se fixa em sobrenome.

 

Por ser oriundo de um antropônimo, Di Tizio se classifica como um patronímico, isto é, recorda o nome do ancestral fundador do tronco familiar. Este paterfamilias ou patriarca que deu inicio ao núcleo familiar se chamava Titius, Tizio e transmitiu seu nome como designativo especifico e comum de todos os seus filhos e demais descendentes.

 

O significado final do sobrenome é, pois, filho do senhor Tizio, figlio di Tizio.

 

Não se possui registros deste sobrenome em período medieval, embora compareça com freqüência o nome próprio Titius e depois Tizio na área da atual Região do Abruzzo.

 

Sendo de matriz sabina e latina, o nome resgata uma tradição romana e é citado em textos dos séculos VII-VIII em diante, considerando-se somente o período medieval.

 

Antes de encerrar este item, convém trazer uma curiosidade lingüística que tem suas origens no período medieval:

Irnerius (1050-1130), jurista natural de Bolonha, ensinou direito em Roma e depois na sua cidade natal, onde fundou uma escola. Foi o autor do primeiro tratado medieval de Direito romano, intitulado Summa Codicis. Nesta obra, ao desenvolver seus arrazoados jurídicos, designou os personagens de seus exemplos práticos como Titius, Caius e Sempronius, três nomes latinos seguramente escolhidos aleatoriamente. A difusão de sua obra foi tamanha que estes três nomes exemplificativos se fixaram no idioma italiano e perduram até hoje para indicar, como se diz em português, fulano, sicrano e beltrano. Estes três nomes entraram no léxico popular italiano como tizio, caio e sempronio [fulano, sicrano e beltrano], forma utilizada para não mencionar de modo expresso a identidade de alguém ou para relembrar alguém de quem não se sabe o nome.

Retornar ao índice

 

Iberê Luiz Di Tizio

São Paulo, 2007